quinta-feira, 10 de maio de 2018

Frio, cores, fé e tradição



Quando chega maio,  os poçoenses começam a recordar de tantas festas do Divino que já vivenciaram. É como que se abrissem uma caixinha de recordações, e as lembranças vão surgindo a cada relato.
Maio sempre vem acompanhado de um frio, da renovação da fé, dos preparativos, dos reencontros e muita alegria. É o mês em que o Divino, tão sagrado, recebe apelos e é agradecido pelos desejos realizados.
É tempo em que a cidade ganha uma nova roupagem. As bandeiras ardonam a Igreja Matriz,  a igrejinha aguarda um novo mastro, os devotos se animam com a chegada das novenas e logo mais, uma porção de gente acordará ao som dos fogos, porque é  dia da alvorada, é  hora de anunciar mais uma festa.
Ainda ontem, uma vizinha recordava dos pavilhões com músicas eletrônicas, leilões, barraquinhas e de tantas alegrias que já viveu nas festas. Outra vizinha dizia: " lembro-me da voz do homem que narrava minuciosamente a transformação da Monga. Dava medo, mas aguçava a imaginação". Festa é momento de recordar.
Tempo em que os  devotos abrirão moradas; dias recheados de emoções; período de unir orações e chorar ao recordar de quem por aqui passou e deixou uma saudade latente.
A tradição também provoca reflexões sobre o que é vivenciado em Poções. Em muitas vielas, gente faminta e sedenta de amanheceres esperançosos; em outros espaços, o desemprego é gritante. E, para estas pessoas "a bandeira segue em frente atrás de melhores dias". 
O vermelho intenso das maçãs do amor, o movimentar dos parques, a praça enfeitada, cheiro de rosas e o vento da madrugada avisa que a festa de Pentecostes chegou.
Na sexta, a bandeira passará, pedidos serão refeitos e gratidão cobrirá o espírito de um bocado de gente. As lágrimas lavarão  as faces, e a emoção tomará conta do povo que carrega consigo a convicção de que a fé necessita ser infinita.
Com a certeza de que ele voltará, a vida vai seguindo seu fluxo e a esperança nos alimenta, pois  o dono da festa pede licença. Nós, os devotos, o saudamos. Bem-vindo Divino! Se achegue, aqueça nossos corações e alimente os sonhos deste povo que tanto clama por justiça.

Su Ferraz

quarta-feira, 7 de março de 2018

Espaço, vozes e resistência





Mais um dia internacional da Mulher! Momento que é celebrado com uma flor, mensagens e quisera um bombom. Todas as homenagens são válidas, porém, o que uma parcela considerável da sociedade finge ou esquece que todo dia é dia de luta. A cada minuto, deveríamos celebrar a conquista de uma mulher. 

Data em que é de praxe discutir a respeito do lugar em que a mulher ocupa na sociedade; ocasião propícia a cobranças de leis mais severas para os agressores; momento sublime para escancarar os índices alarmantes de feminicídio e alertar sobre as crueldades que milhares de mulheres sofrem em suas localidades.

De sexo frágil a revolucionária, é assim que a mulher vai transitando neste mundo. Ana é feirante e revoluciona o espaço em que trabalha. Mesmo com baixa escolaridade, ela incentiva suas colegas a não serem submissas em seus relacionamentos. 

Maria escutou os gritos da vizinha e foi averiguar o que estava ocorrendo. Os gemidos dolorosos eram causados porquê o marido chegou em casa embriagado, arrancou seu cinto e mais uma vez, surrou a esposa e ela clamava por socorro. Lia, como era conhecida, não hesitou em socorrê-la e ligou para a polícia. A vizinha, mesmo sem ter ouvido a palavra sororidade, sabe da importância da ajuda mútua entre as mulheres.

Independente da escolaridade e classe social, a mulher vai à procura de novos espaços. De calmaria a tempestade, de guerrilha ou da poesia, da favela aos bairros nobres, da Academia a uma escola periférica, ela vai ecoando sua voz, preenchendo espaços e exigindo respeito.

Qual é o nosso lugar na sociedade? Em qualquer lugar em que possamos ser e fazer a diferença. Nada de submissão, somos seres transformadores, lutamos por condições favoráveis para uma vida mais digna. Plantamos flores por nossos caminhos percorridos, somos margaridas que colorem uma nação. Somos a resistência diante daqueles que desejam nos calar. Somos a mistura de muitas mulheres que me ensinaram a erguer a cabeça perante aos abismos que nos desafiam
.
Ganhamos espaços nas universidades, no mercado de trabalho, na política, nos tornamos protagonistas de belíssimas histórias de luta e superação. Ainda falta muito avanço no que se refere ao respeito e valorização da mulher. Queremos mais respeito e oportunidades, desejamos que os que virão, encontrem um mundo mais digno e o gênero não seja parâmetro para distinguir salário. Queremos viver em um mundo em que as mulheres negras possam ser respeitadas ao escolher o visual que a agrada porque o cabelo negro é belo e a única coisa feia e ruim é o preconceito que continua enraizado em nossa sociedade.

          Companheiras, que a nossa força e coragem não cessem! Que nossa voz ecoe por qualquer lugar da Terra, lutemos por respeito e igualdade. Que a nossa voz represente o silêncio que foi estabelecido a tantas mulheres, que mesmo sofrendo desejam que o futuro seja florido e feliz. Não podemos comemorar apenas hoje o nosso dia, a cada amanhecer devemos recordar das nossas conquistas e de tudo aquilo que ainda podemos conseguir. 

Em uma sociedade com raízes patriarcais, a mulher independente assusta. É aquela sensação de que uma mulher nasceu para casar. Mas nem sempre o casamento trará felicidades. A mulher empoderada, feminista e convicta do que deseja é rotulada de ridícula, destruidora de lares, criaturas que abominam os homens, entre outras coisas. O problema é que quem tece tais críticas conhece superficialmente ou desdenha o movimento pelo que acha que seja.

Em briga de marido e mulher não se deve meter a colher? Errado! Se a mulher sofre violência, não devemos meter a colher na briga, mas devemos meter o faqueiro completo. Quando uma mulher é espancada, a dor é de todas. Ficamos doídas ao saber que muitas sofrem com companheiros que ameaçam, torturam e espancam. Algumas ainda não denunciam por medo, outras superaram o medo e a vergonha denunciando seus agressores; e tantas outras  não tiveram oportunidade de escancarar sua dor; sua voz foi silenciada.

           O desejo de cada amanhecer é que não nos falte coragem, argumentos, sorrisos e beleza. Por onde formos que tenhamos a sensibilidade de uma criança e a determinação de uma mulher convicta do que quer. Revolucionem suas casas, escolas, grupos, ciclos, cidades... Que nada e ninguém possa calar nossa voz.

            Para cada mulher morta, reflexão, revolta e clamores por justiça! Para cada vida ceifada, momento de a sociedade rever seus conceitos distorcidos em relação a mulher neste mundo. Mães, não ensinem suas filhas a serem princesas que fazem o impossível para agradarem alguém. Ensine a criança a ter personalidade, a expor suas angústias e não temer perante aos desafios que a cerca.

Mais sororidade, mulheres!  Milhares de vozes foram silenciadas pelos seus parceiros, pais, padrastos, assaltantes...Uma quantidade significativa de criminosos estão soltos e criaturas cruéis continuam culpando as vítimas. 
 Sociedade, pare de  nos matar!

Suerlange Ferraz

sábado, 6 de janeiro de 2018

Dia de Santos Reis


Foto: http://www.liberdadefmpocoes.com.br/pocoes/2012/01/nesta-sexta-feira-tem-o-tradicional-encontro-de-terno-de-reis-em-pocoes.html




"Ô de casa, ô de fora
Ô de casa, ô de fora
Maria vai ver quem é
Maria vai ver quem é
São os cantador de Reis"

    Há um tempo longínquo que não vejo o barulho de um reisado na rua onde resido. Sinto uma estranheza ao observar o silêncio nas noites calorosas dos primeiros dias de janeiro.

     Os ternos de Reis eram aguardados com entusiasmo por minha avó. Todos os anos ela montava um presépio enorme na sala e com alegria celebrava a chegada dos reisados para festejar o nascimento do menino Jesus.

    As músicas eram empolgantes e o toque dos instrumentos musicais também. O terno de reis era acompanhado por dezenas de pessoas. Primeiro canta do lado de fora da residência, após a permissão do dono da casa, a folia se instala na sala e assim acontecia na casa de vó.

    O velho e a mulinha era uma atração a parte, mas confesso que quando avistava aquele homem  com uma barba grande, trajes coloridos, sandálias de couro e um porretinho na mão eu “estatalava” de medo e chorava até engasgar. O mesmo não acontecia quando via a mulinha, pois a achava linda.

    Às vezes, passava dois, três ou mais ternos de reis numa noite. Quando eles desfilavam pela madrugada eu ficava espiando da janela da sala de estar. Na casa de dona Iaiá tinha reis quase todo dia.

    O vermelho intenso, a caixa forrada com xita e papéis brilhantes. Dentro dela a imagem de São Sebastião, era o Reis de dona Virgínia, uma senhora loira, olhos azuis, cabelo curto e cacheado. Durante anos ela liderou um dos ternos mais lindos que já vi.

    Como forma de agradecimento á alegria trazida à família, um agrado é dado.  Em algumas regiões da zona rural, ele vem em forma de alimentos típicos da época (feijão verde, umbus, melancia, entre outras coisas), na cidade, é em dinheiro.

    Em 2013, a convite de uma amiga, fui acompanhar a apresentação de um terno em Morrinhos, em que seu Atenor era o puxador. Visitamos muitas casas, cada visita uma alegria,  cada morador uma recepção peculiar. Danças, novos versos e por onde passava o número de acompanhantes aumentava. Quem recebia ofertava um café,  suco e até  uma cachacinha.

    Os bairros mais  distantes da cidade foram privilegiados com os ternos de Reis, pois eles praticamente desapareceram do centro. Com o sumiço a saudade veio latente. Lembranças alegres, coloridas e cheias de melodia surgiram após ver uma foto de um reisado em Poçõesinho, um dos bairros de Poções.

   Quando a flauta tocar, a zabumba estremecer e o barulho do triângulo ecoar em frente a sua casa, não tenha medo e abra a porta, porque cantar reis não é pecado. E em coro o Menino Deus é saudado com uma linda melodia.

25 de Dezembro
Quando o galo deu o sinal
Que nasceu o Menino Deus
Numa noite de Natal
25 de Dezembro
Quando o galo deu o sinal
Que nasceu o Menino Deus
Numa noite de Natal, oh, iah

Suerlange Ferraz

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Então é Natal!




A voz de Simone invadiu meu quarto numa manhã de domingo. Neste momento ouço a pergunta que dá início a música,“Então é natal e o que você fez...”. A frase começa a ecoar em minha mente tornando inevitável a reflexão.Confesso que já chorei ao ouvir esta canção, porque em poucos minutos ela instiga a memória, e começamos a avaliar os nossos erros e acertos no ano que está findando.
Cara Simone, fiz tanta coisa durante este ano. Há algum tempo eu diria que não fui uma garotinha excelente. Em 2017, caí e ralei o joelho, tropecei e o tornozelo saiu do lugar, assim como o coração que ficou ralado, dolorido, e por muitas vezes em pleno estado de felicidade.
Trilhei novos caminhos, voltei a alguns lugares para plantar sementes e um dia ei de regressar para saber se minha árvore foi frutífera. Corri dos relâmpagos, enfrentei ventanias, brinquei nos dias ensolarados e com os pingos d’água criei poesia; com o vento sonhei, com os dias frios rabisquei histórias.
Chorei! E não foram poucas as lágrimas. Elas caíram quando a palavra me feriu, quando o medo me assustou, ou nas despedidas que a vida promove. O choro veio da inquietação, da dor dos ansiosos, e a sensibilidade de uma canceriana com ascendente em libra.
Na virada do ano prometi que lutaria para ser uma pessoa melhor e não sei se fui um ser que fez algo de bom na vida de alguém, mas eu tentei ser gente que deixa lembranças, que tenta ser o diferencial no dia de alguém. É difícil agradar, e eu sempre optei por ser fiel aos meus ensinamentos, pois não comungo com a ideia de ter que agradar a todos. Sempre digo que não tenho vocação para rosa, sou um mandacaru, que floresce vez ou outra.
Entristeci ao ler e assistir noticiários. O ódio se expandiu! Massacres continuam assolando o continente africano, a sensação é de impotência ao perceber que  o fato de milhares de negros terem sidos mortos é considerado algo“normal”. Por todos os lados intolerância, racismo e preconceito se fazem presentes. Quantas mulheres assassinadas, quantas crianças morreram de fome, quantos pais choraram a dor pela morte de um filho, quantos filhos se juntam aos pais e choram a dor da miséria.
2017 tem sido um ano pesado. Das crises hídricas ao caos urbano. Sair de casa com o medo na alma, ninguém prevê o que te espera na próxima esquina. O medo e a insegurança fizeram parte da rotina de um monte de gente.
Centenas de políticos desonestos fizeram com que as pessoas perdessem suas esperanças em política clara, honesta e voltada para os menos favorecidos. Os brasileiros adormeceram quando era o momento do país acordar, das vozes clamarem por justiça, um silêncio surreal se estabeleceu no país.
            Não sei se os bons ainda são maioria neste mundo, mas creio que da bondade surgem estradas floridas, e quanta gente bondosa eu encontrei por onde andei. Pessoas com alma que cheira a jasmim, algumas criaturas do sorriso largo e de abraços tranquilizantes. Tanta gente que alegrou-me com um afago ou com aquele ânimo que regozijava um dos meus dias. Novos conhecidos, velhos amores e doces encontros. Sempre precisamos de pessoas que nos ajudem a sermos melhores.
            Saudades ficaram e as lições também. Dois mil e dezessete me pegou pela mão. Pôs-me a ficar sentada olhando o pôr-do-sol e contemplando a natureza, outrora, impulsionou-me a sair do meu mundinho e garimpar caminhos. A cada viagem, um aprendizado.
            É Natal mais uma vez, da festa cristã a dor da exclusão. Mesas fartas e outras vazias, o peru na mesa do rico, um punhado de feijão na mesa do pobre. Crianças ricas contabilizando seus presentes e as carentes arquivando mais um sonho que não foi realizado. Famílias felizes celebram a ceia, e idosos choram pelos asilos, mais um natal sem o aconchego do lar. Falta alguém naquela casa, e a festa jamais será completa, porque alguém cumpriu sua jornada e se foi; mendigos farão pedidos a estrela guia, e será natal outra vez.
Respondendo a pergunta que Simone faz em sua música, eu fiz muita coisa, estou aprendendo com os dias, ainda desejo ser uma boa menina, quero ter leveza e ser alguém com bons sentimentos. Desejo que minha cidade evolua, e que os políticos daqui pensem mais nos que tanto mendigam uma cesta básica, um exame, rede de esgoto e respeito.
O ano está quase terminando, e grata sou a ele por cada queda, pois mesmo com arranhões me reergui. Muita coragem para enfrentar a vida e sorrisos para celebrar as conquistas.

Suerlange Ferraz